HISTÓRIAS DE UM CORAL

José Roberto Scheer – 67-266


Prezados leitores, este texto, baseado em fatos verídicos, foi escrito com uma verve humorística, que em todas as frases recorda a juventude, onde as "aventuras" tinham o sabor das alegrias e das brincadeiras de todos que amávamos a vida com vigor. Vejam, portanto, com esses olhos! Que a abordagem seja divertida! Vamos aos fatos...


1. Da formação até as primeiras apresentações

Ao iniciarmos o ano letivo, como cadetes da Academia da Força Aérea (AFA), em 1971, no Campo dos Afonsos-RJ, vimos, com o passar de poucos dias, que se vislumbravam duas possibilidades de conseguirmos uma melhora no rancho, com dispensas e, até mesmo, em viajarmos: a primeira era ser atleta de alguma das várias equipes de esportes, e a outra era fazer parte do Coral dos Cadetes.

Inicialmente, para motivar os candidatos a “cantores”, foram divulgadas histórias que acenavam com promessas de viagens pelo Brasil e, até mesmo, de uma apresentação no “Casino Estoril”, em Portugal. Pronto! Isso bastava para fomentar o desejo dos cadetes em se tornarem “rouxinóis”.

Todavia, para participar daquele grupo vocal era preciso ser aprovado num teste com o Mestre do Coral, que, no piano, tocava algumas notas e pedia ao candidato para acompanhá-lo nos sons emitidos. Ao final da avaliação, restaram aprovadas 27 vozes as quais, juntas, formaram o aludido Coral, ou “Floral”, como alguns insatisfeitos por não terem sido escolhidos, maldosamente o intitulavam.

Bem, não podemos definir aquele grupo como um conjunto harmônico de vozes, mas sim como um punhado de cadetes querendo tirar proveito dessa condição, já que, para a maioria, cantar era algo além das suas possibilidades, e, ainda no tom correto, nem pensar. O nosso Mestre, extremamente paciente, gentil e técnico, tentava um milagre, mas a vitória estava longe. Teoricamente, éramos divididos em quatro vozes: primeiros tenores, segundo tenores, barítonos e baixos. Na prática, era quase tudo a mesma coisa. Mas, fomos em frente.

Treinávamos três vezes por semana, após a instrução de Educação Física e, em seguida, íamos para o rancho. Das promessas ouvidas, a da melhoria no rancho, se resumia, às vezes, num ovo para cada um, e, em outras, em servir-se de “Karo” (uma iguaria parecida com mel, com milhares de carboidratos). Ainda assim, apenas em alguns dias essas maravilhas eram disponibilizadas. Bom, mas tínhamos que ter esperanças...Quem sabe se as viagens não seriam consumadas?

Apenas como registro, a única vez que saímos do perímetro municipal foi para uma apresentação à noite em Brasília, na Concha Acústica, com a presença do Presidente da República, e, como era ao ar livre (ventava muito e fazia frio), quase não fomos ouvidos, pelo que demos graças a Deus...era menos uma derrota. Mas, dessa história não há comentários a serem lembrados.

As primeiras apresentações, se é que podemos chamá-las assim, pois ficávamos praticamente escondidos, eram em casamentos.

Alguns tenentes, que não tinham dinheiro para contratar bons cantores, resolviam iniciar mal as suas vidas de casados, convidando o Coral para “abrilhantar” a cerimônia nupcial. Bem, só sabíamos “cantar”, além de alguns hinos cívico-militares, umas poucas canções que fomos capazes de decorar (não todos os componentes, é claro!), num exíguo espaço de tempo. Esse eclético repertório se enquadrava em quaisquer tipos de eventos: cerimônias, casamentos, velórios e apresentações. Ou o contratante aceitava essa reduzida coletânea de canções ou não haveria a presença do Coral.

Participamos de alguns poucos casamentos, talvez uns três, que nos brindaram com os licenciamentos reduzidos naqueles finais de semana, pois tínhamos que regressar para a AFA nas tardes dos domingos, onde trocávamos de roupa e nos dirigíamos para a capela da Academia. Nunca fomos convidados para os cumprimentos aos noivos e, sequer, para comermos um pedaço de bolo. Só nos restava desejar aos cônjuges um desarranjo na lua de mel.


2. A apresentação na Câmara Municipal

No primeiro semestre de 1971, o Coral e a Banda de Música da AFA foram convidados para representar a Força Aérea Brasileira numa solenidade que teve efeito no Palácio Pedro Ernesto, sede da Câmara Municipal, situada na Cinelândia, no centro da cidade do Rio de Janeiro.

A cerimônia era simples, onde entoamos o Hino Nacional Brasileiro e o Hino dos Aviadores, acompanhados pela Banda.

Após o término da apresentação e os discursos de praxe, fomos convidados para nos dirigirmos até a grande varanda frontal, onde serviriam um pequeno coquetel, que constou de um refrigerante com sabor aproximado de laranja e biscoitos bem salgados, redondos.

No mastro a nossa frente, tremulava a Bandeira Nacional. Um dos componentes do Coral, que o chamaremos de Chico, irritado com as considerações desairosas que faziam dele, começou a gesticular acintosamente e, numa lufada de vento, a Bandeira enrolou-se nele, que portava o copo de refrigerante, o qual foi totalmente derramado no auriverde pendão, sujando-o. Logicamente, os comentários aumentaram e a irritação dele atingiu um ponto de pré-infarto.

Não satisfeito, Chico, continuando a ser “elogiado” por seus pares de maneira mais enfática, não notou que uma senhora adentrou a varanda e começou a cumprimentar os componentes do Coral, pela apresentação. Ao chegar junto ao Chico, que estava com o copo vazio por ter dividido o seu refrigerante com a Bandeira, ela levantou a mão, com a palma para cima, ao que, imediatamente, Chico depositou nela o seu copo e pediu outro refrigerante. Ela, educadamente, disse que poderia atendê-lo, mas que era a Vereadora “Fulana” e apenas havia estendido a mão para cumprimentá-lo. Foi o ápice da zoeira e chegara o momento de regressarmos ao Campo dos Afonsos, antes que Chico aprontasse mais outra.


3. Apresentação no Teatro Municipal ou na Sala Cecília Meireles

Não recordando com precisão o local do evento, a Banda e o Coral participaram de uma apresentação onde foram executadas algumas obras musicais.

O palco era grande e nele havia uma plataforma móvel ocupada pela Banda, próxima à primeira fila do auditório. Pouco atrás, havia uma grande cortina e, ocultada por ela, estava posicionado o Coral, em uma arquibancada de madeira, com três degraus.

Inicialmente, a Banda entoou uma canção instrumental para aquecer o público. Em seguida, iniciou os acordes da linda “Va Pensiero” (da ópera “Nabucco”, de Giuseppe Verdi). Nesse momento, ao mesmo tempo em que a plataforma com a Banda ia se movendo para baixo, a grande cortina ia abrindo, para proporcionar um certo impacto e dar maior visibilidade ao Coral.

Ocorreu que, um dos músicos, o que tocava prato, não notou esse início do movimento da plataforma, pois estava compenetrado na música, e, com isso, a Banda já ia quase desaparecendo, tendo ele permanecido sobre o palco, num nível bem acima daquela.

Alguns componentes do Coral, deparando-se com aquela situação, começaram a rir e, como já não cantavam bem estando sérios (imaginem rindo), provocavam risadas nos demais. O instrumentista em questão estava sendo motivado pelos seus companheiros a saltar para a plataforma, mas, inseguro devido ao seu peso (era um pouco obeso) e a sua capacidade de permanecer em pé ao final da manobra, não sabia o que fazer. Ainda bem que não saltou, pois poderia provocar danos pessoais e instrumentais de grande monta, caso errasse o salto.

Resolveu, então, virar-se para o canto do palco e sair correndo, escondendo-se atrás da cortina. O Coral se refez do acontecimento inusitado e entoou o “Va Pensiero” até o fim, e mais algumas canções do seu “vasto” repertório.


4. A gravação do filme “Por amor a um ideal”

No ano de 1971, o Centro de Relações Públicas da Aeronáutica (CEREPA), elaborou o roteiro de um filme junto com uma produtora, que tinha como enredo a trajetória de um jovem, desde o concurso para ingressar na Força Aérea Brasileira, por meio da Academia da Força Aérea, até a conclusão do curso e o consequente recebimento da espada, símbolo do oficial, na cerimônia onde seria declarado Aspirante a Oficial.

Para isso, foi escolhido um cadete da nossa turma, cujo nome artístico foi Cadete Kramer (por qual motivo não era Silva, pensei na época? Talvez Kramer fosse algum herói desconhecido da preferência do produtor...), e haveria a participação do Coral fazendo o fundo musical do filme, entoando algumas canções do seu repertório, que continuava inalterado.

Enquanto Kramer gravava as cenas no Campo dos Afonsos-RJ, em Parnamirim-RN e em Pirassununga-SP, locais por onde os cadetes passavam até as suas formaturas, o Coral treinava para a grande produção. Quem sabe, desta vez, a tão sonhada viagem sairia, talvez para Hollywood, no lançamento do filme?

Chegou o dia da gravação. Transportados por um ônibus de idade muito avançada, seguimos, após o almoço, para o estúdio, localizado num edifício na Rua Senador Dantas, no centro da cidade, conhecido por abrigar, à noite, moças amorosas que dividiam os seus tempos vagos com rapazes ávidos por companhias agradáveis.

A viagem de ida foi um tormento, nem tão diferente da gravação. Cantamos várias vezes cada música, até que fosse aprovada (muito mais pelo escasso tempo e a falta de paciência do produtor musical, do que por ter ficado a contento).

Essa missão foi concluída, aproximadamente, às 21 horas, todos sem jantar e com poucos e curtos intervalos para beber água, devido ao prazo, já que a gravação tinha que ser concluída naquele mesmo dia.

Ao terminarmos, descemos até uma lanchonete onde fomos aquinhoados com um refrigerante e um sanduíche (hamburger). Em seguida, ao nos aproximarmos do mesmo ônibus, fomos informados que esse estava com a bateria descarregada e havia a necessidade de ser empurrado para dar partida no motor. E assim foi feito. Fardados e sob a ovação daquelas “moças”, empurramos a viatura anciã até fazê-la funcionar. Regressamos no início da madrugada e, no dia seguinte (será que haveria alguma dispensa?), a rotina continuou a mesma.

E viva o Coral !!!