XEQUE DE FOKKER – PANE REAL

Aconteceu em abril de 1971, quando estávamos na Escola de Aeronáutica, no lendário Campo dos Afonsos. Havíamos concluído o Curso no CFPM em Natal, quando nos apresentamos na Escola de Aeronáutica, para cursar o primeiro ano de cadetes.

Durante esses meses, tivemos aulas normais de formação acadêmica e atividade aérea no Estagio de Voo.

A instrução Aérea teve uma peculiaridade interessante. Todos cadetes egressos do CFPM, voaram T-23 Uirapuru e T-37 Cessna (jato a reação) e, parte dos que ficaram no Rio, na primeira etapa de seleção, haviam voado o T- 21 Fokker.

Eu fui um dos que seguiram para Natal, portanto, não tinha voado o T-21.

Como a Escola de Aeronáutica estava em fase de extinção em face da mudança para a AFA, muito dos instrutores, na maioria decanos e cariocas, (no linguajar da época – “Putas Velhas“), não queriam nem ouvir falar em se mudar para Pirassununga.

Portanto, o clima de receptividade não foi dos melhores e começamos a ser reavaliados como se fossemos manicacas, pelo menos eu senti um tratamento desigual em relação aos demais colegas que tinham voado T-21 antes de ir para Natal.

Realizei 04 (quatro) voos com o Ten Bosco e confesso que não me sentia seguro para ir a Xeque. Como todo cadete, não sentia dificuldade em pousar, mas a manutenção da reta após o pouso dependia de frenagem diferencial. O T-21 era dotado de trem de pouso convencional com bequilha na cauda, além daquele amortecedor tipo elástico (ou catapulta), qualquer bobeada plantar-se-ia um monumento. O Bosco percebeu essa deficiência e nos 20 minutos da última missão ele disse: - você deve usar os freios “beliscando o Dir. e Esq. e aumentando a intensidade para o lado oposto que estiver derivando” – Entenderam? Nem eu...

Gastamos uns 20 minutos efetuando corridas de decolagens na grama, controlando a reta com o uso dos freios. De certa forma, permitiu perceber que os pedais de freios eram bem duros ou a grama não segurava tanto quanto o asfalto. Bom, foi um “bizu” legal...

Na véspera do Xeque, aconteceu um fato interessante. Estava dormindo ou quase, naquele PAN quando o Of. de Dia apareceu, dizendo: - Atenção aí, Galera!!! Surgiu uma missão para atender um Oficial que está passando por problemas e precisava de (04) alunos fortes.

Nunca me achei forte, mas fui nesse embalo... Não demorou muito, parou uma Kombi da BAAF embarcamos, eu, Miofo, Nepomuceno e Menezes havia outros, mas não me lembro...

A Kombi seguiu pela Intendente Magalhães até as imediações da Vila Valqueire. Entrou por umas vielas de terra sem iluminação até que parou próximo a um cruzamento com uma vala de esgoto. Olhando pelas janelas da Kombi, vimos um Puma atolado na valeta. Logo apareceu um paisano e se identificou era o Ten Bosco.

Na maior tranquilidade, o Ten Bosco ordenou: - A missão é tirar o meu Puma desse buraco o resto é comigo... Só bastou o Miofo e o Menezes e mais dois só para gemer... Tudo resolvido.


Soubemos depois que o IN estava abatendo uma moça e ao dar uma ré o Puma deslizou e desceu a valeta...


No dia seguinte, fui escalado para Xeque no T-21 com o Ten Cambeses.

Briefing, ANV 0729, plaqueta no quadro, seguimos para o estacionamento, externa, amarração, partida, calços fora, iniciamos o taxi...

Luz verde da Torre, seguimos para cabeceira da pista e decolamos sem problemas...

O Ten Cambeses orientou a subida para a área de instrução e seguimos para Jacarepaguá cruzamos os morros até atingir a área de instrução. Pediu para fazer uma Chandelle, oito preguiço, curva de grande inclinação outras manobras e no final fazer um parafuso.

Subimos para uma altitude de segurança e comecei a preparação: Área clareada, tanque mais cheio, suspensórios ajustados, nada solto na nacele, cabine aberta etc. Nariz para cima, pré-estol, manete reduzida, pé a fundo, manche atrás, e vamos nós... uma volta... duas voltas... três voltas..., neste momento ouvi ele falar V. está vendo uma aeronave abaixo de nós? Com aquela zorra rodando claro que não vi. Mas vi a mão do Ten Cambeses mexendo na chave de ignição. Como esse receptáculo já estava desgastado pelo tempo de uso, ao tentar desligar a chave, acabou enganchando na luva e se desprendeu do contato, caindo no fundo da fuselagem do Fokker. Recuperei do parafuso e ao nivelar levei as manetes para frente, mas nada aconteceu, apenas aquele silêncio que só piloto de planador costuma ouvir. Para os que voaram T-21 vão entender facilmente... O T-21 tem uma canaleta que apoia os pedais do comando direcional e não permitem que uma mão passe pela fresta. Víamos a chave repousando na entelagem, mas sem poder resgata-la. Com a hélice embigodada, chave do magneto a vista sem poder alcança-la o que fazer?

Resultado, neste momento ouvi o Ten Cambeses dizer: -” Novinho!!! virou pane real se vira para pousar”... Clareei a área fazendo curvas para os lados, avistei o aeródromo de Jacarepaguá. Senti que dava para se aproximar do aeródromo e usar o velho 4,3,2,1, ou pelo menos 2,1 e enquadrar a pista.

Não obstante a larga experiência de IN, notei que a situação causava certa apreensão, principalmente, pilotar com aquele bigode na frente e sem condições de reverter a situação, restavam duas possibilidades: alcançar a pista e tentar o pouso ou saltar de PQD. Qual delas escolher?

Optei prosseguir para o pouso e acho que nunca caprichei tanto como naquele voo. Acabei entrando um pouco mais veloz do que o normal, mas com a hélice parada o avião flutuou bastante, mas consegui tocar no primeiro terço da pista. Como nunca tinha pousado no asfalto, a reação era frear as rodas como na grama. Acontece que a reação da aeronave no piso pavimentado era bem mais arisca e foi um sufoco manter a reta, mas consegui parar já próximo da cabeceira oposta. Lembro-me do desabafo do Ten Cambeses: - QUE CAGADA HEIN, NOVINHO !!!

Em seguida, o Ten Cambeses se desamarrou, saltou do Fokker e foi até a lateral da pista conseguir um graveto em forma de forquilha para pescar a chave dos magnetos que estava repousando na entelagem da fuselagem...

Capturada a chave de ignição, foi só torcer para a bateria girar o motor de arranque e decolar. Partida realizada, retomamos a cabeceira da pista e decolamos felizes para os Afonsos. Após o pouso nos Afonsos e passado o sufoco notei que o Ten Cambeses estava satisfeito com o meu desempenho. Após o “debriefing”, a melhor notícia: - Tinha passado no xeque, principalmente, por ter conseguido pousar na pista de asfalto, sem intervenção do IN com o motor parado...

Aí foi só correr para o abraço dos Companheiros!!!

67-188 Petrauskas