PROFESSOR MABUSE

Mabuse era nosso professor de geografia. Descrevo-o para quem não foi seu aluno ou para quem não se lembra dele, pois terá importância capital em nosso causo.

O homem era baixo, grisalho, meio curvado, olhos esbugalhados, dentes desalinhados. Para quem não se lembra do Dr. Mabuse do filme, compare-o com um Gremlin, que terá boa imagem dele. Mabuse sempre trajava um guarda pó encardido, cuja história era contada pelas inúmeras manchas que exibia. Havia manchas de molhos, tintas, gordura, giz e, desconfio, até de cocô de neném, pois havia uma de um amarelo suspeitíssimo bem na altura do colo. Volto a ele em breve.

Em 1967, eu fazia parte da turma F, que tinha entre seus membros o Petrauskas - PTK (67.188), Castro (67.187) e Gama (67.177), estes últimos já no andar de cima. O PTK aos 17 ou 18 anos era o Capeta em figura de gente. Quando se juntava com o Castro, então, a pobre turma F virava o inferno.

Suas vítimas preferenciais eram o Luciano (67-155): xoxota/chacota, buceta/bureta, vagina/vacina eram alguns dos nomes pelos quais o PTK o chamava; o Noboyuki (67.166) era o cloacino, indecente, imoral, pois, segundo ele, o japa tinha cara de cu ou cloaca, daí, cloacino; e o Gama, já citado, que todos devem lembrar, era o que se costumava chamar de pentelho, já que era muito enrolado, fazia tudo errado, se enganava nas menores ações e, hoje sei, a ansiedade para passar despercebido, tornava-o mais pentelho ainda, pois todos prestavam atenção às suas atitudes e ele sabia disso. Além disso, tinha também uma característica única: ele não virava a cabeça para olhar para os lados ou para trás, ele virava o tronco todo.

Nossas aulas de geografia eram ministradas numa sala que ficava em frente a um jardim, onde se reuniam os engraxates, e havia muitas roseiras. A mente satânica do PTK bolou uma sacanagem para atormentar a vida do Gama. No tal jardim, colheu espinhos das roseiras e os levou para a sala. Como todos certamente já observaram, tais espinhos têm base larga e achatada e ponta incisiva e recurvada. Esse formato possibilita que fiquem com a ponta para cima se colocados numa superfície plana.

Durante as aulas, o Gama costumava apoiar os cotovelos na mesa e se inclinar para frente. Essa posição criava um pequeno vão entre seu traseiro e o assento, tendo Lúcifer vislumbrado nessa postura a possibilidade de infernizar o pobre.

Volto ao Mabuse. O mestre, trajado como descrito, falava sobre a cidade mais fria do mundo e virou-se para o quadro para esboçar o mapa da Sibéria, a fim de mostrar onde ficava Verkoianski (sei lá se é assim que se escreve essa encrenca), mas, enfim, estava de costas para a classe quando Belzebu agiu. Eu me sentava imediatamente atrás do Gama e Satã, atrás de mim. Enquanto Mabuse desenhava, ele se esgueirou pelo espaço entre as carteiras e colocou os espinhos no vão sob a bunda do Gama, por isso, ele só sentiu a espetada quando voltou à posição normal, isto é, quando apoiou a bunda completamente no assento. Esse lapso de tempo possibilitou que o Tinhoso se sentasse na sua carteira e aguardasse.

“Aiiii”, gemeu o Gama ao ser espetado, e virou-se para trás – o tronco todo, não só os ombros e a cabeça - não aguentei e caí na risada. Mabuse virou-se rapidamente ao ouvir o gemido e pegou o Gama virado para mim, e eu, embora inocente, com um sorriso de orelha a orelha. “Saia de sala”, foi o comando que deu. Não se entregava o colega, sofria-se calado a injustiça, e não foi diferente dessa vez. Saí de sala muito “pê” da vida, mas aguentei firme.

Vi-me no corredor deserto, com medo de ser pego por algum oficial ou por um 66 de serviço ou pelo Sócrates, que era uma espécie bedel que contava as presenças pelo vidro da porta da sala de aula. A única coisa em que pensava era sumir dali, me esconder. Veio-me à cabeça que o único lugar seguro para desaparecer era o interior do armário.

Pois bem, como um fugitivo, esgueirei-me até o alojamento e me enfiei dentro do armário. Instalado, peguei no sono, perdi o almoço e a respectiva chamada. Esta falta, além da tormentosa fome só saciada no jantar, rendeu-me um LS (licenciamento sustado), que não era considerado perda do cabaço, porque não ia para a ficha.

Moral da história: na EPCAr, nem todos os que saíram do armário eram bicha enrustida ou hétero deflorado. Pode ser que se trate que um “safo” injustiçado.

67-162 SANCHES