PERNOITE EM JUIZ DE FORA

Nas férias de julho de 1967, Raul/Besteirinha - 67.181 e eu, Sanches – 67.162, optamos por acompanhar o Bergamini/Sabugo – 67.186 num plano que na ocasião nos parecia à prova de falhas.

Segundo a mente insana do Sabugo, em vez de irmos direto para o Rio, como, aliás, todos fariam, pegaríamos um ônibus para Juiz de Fora, zoaríamos nas casas de tolerância de lá, nas quais, segundo informações de cocheira só conhecidas por ele, todas as “meninas” seriam vidradas em cadetes e, dependendo de nossa conversa, “dariam” de graça.

Ainda conforme suas elucubrações, depois de farrearmos à exaustão, pernoitaríamos no quartel do Exército – no alojamento dos oficiais, sem erro - valendo-nos de nossas platinas.

Descendo em JF, encaminhamo-nos para o mencionado quartel. Primeira falha constatada no plano: de fato, o oficial-de-dia proveu-nos pernoite, mas no alojamento de praças, sem apresentar qualquer justificativa para esse humilhante rebaixamento; e cadê coragem para ponderar? Instalados, partimos para a esbórnia.

Naquele tempo, a zona de JF ocupava uma rua na qual de um lado ficavam as casas, com suas indefectíveis luzes vermelhas na fachada e do outro, um córrego, esgoto a céu aberto, que exalava um mau cheiro que impregnava até a roupa das putas. Mas, nós, hormônios à flor da pele, consideramos o local charmoso e partimos para a caçada.

Entramos na primeira de uma série de mais de trinta casas. Segunda falha constatada no plano: além do material humano em exposição ser de qualidade sofrível, elas não demonstraram a menor emoção pela nossa condição de nata da juventude brasileira e foram irredutíveis no item “dar de graça”, pois recusaram-se veementemente a, sequer, considerar a possibilidade.

Mas a elite da juventude não iria se abalar por tão pouco; fizemos balanço das finanças e decidimos que encontraríamos alguém com padrões estéticos aceitáveis e que concordasse em partilhar o leito conosco mesmo considerando a timidez de nossos recursos financeiros.

Na procura, entramos numa casa em cuja sala dançava-se música lenta; a iluminação era dada por uma lâmpada azul e outra vermelha, de 20 velas cada; os casais dançavam agarrados em meio à nuvem de fumaça dos cigarros. Lá no cantinho, encostada na parede, com expressão triste, vi minha musa.

Era linda: branquinha, cabelos lisos e brilhosos, seios enormes, e me encarava! Na hora, decidi que mesmo que tivesse de voltar a pé para o Rio, ia comer aquela menina. Puxei conversa e fiz a pergunta de praxe, ao que a deusa respondeu: “Topo, uai, quanté quocê tem?” (não esqueçam que o causo se passou em Minas). Constrangido, disse, arriscando um valor já deduzindo a passagem de volta, e ela, com assombro, respondeu: “Mai isso é poco pur dimais; aí só dá pruma impé nos fundo da casa, num dá nem pra pagá o quarto”. Diante da possibilidade de sucesso, mesmo sendo em pé e na friagem, esqueci meus companheiros, abracei a princesa e já me encaminhei para a alcova, ou melhor, para os fundos da casa.

No caminho, a luz branca do corredor revelou coisas que eu preferiria não descobrir: o cabelo não era brilhoso, era gorduroso; os peitões pareciam resultado de enchimento, pois um pedaço de pano se entremostrava através do decote; e o cheiro dela era algo que eu não conseguia associar a nenhuma experiência anterior.

Posicionados para a luta, ela com um pé em cima de um tijolo, assumi o comando da liça; exigi que levantasse a blusa. Ora, ainda que pouco, estava pagando, e reivindiquei o direito de chupar-lhe os peitos.

Antes não tivesse exigido. O suposto enchimento era, na verdade, uma fralda usada para absorver o leite que saía ininterruptamente de suas tetas, e o cheiro que eu não conseguira identificar era o de leite materno seco e azedo.

Mas, hormônios saindo pelos poros, parti pra dentro. Durante o serviço, outros odores oriundos do local da conjunção carnal agrediram minhas narinas. Concluída a missão, ao me lavar na torneira do quintal, descobri que o cheiro devia-se aos eflúvios de papel higiênico encharcado de secreções, certamente usado como absorvente ou como material de limpeza do instrumento de trabalho da moça, cuja materialidade assumiu a forma de milimétricos roletes putrefatos colados no meu orgulho viril.

Mas o pior ainda estava por vir. Como não combináramos um local para reencontro, resolvi entrar nas casas ainda não visitadas com a intenção de descobrir o paradeiro dos outros dois. Logo na primeira encontrei o Raul, que disse já estar satisfeito – até hoje suspeito que ele não comeu ninguém naquela noite - e com vontade de retornar ao alojamento, mas não queria fazê-lo sem a companhia do Bergamini. Só que a única coisa que ele sabia era que o Sabugo subira a rua com uma negra alta e magra, havia mais de uma hora.

Adotamos a mesma estratégia para a nova busca, mas percorremos todo o puteiro e nem sinal do Sabugo. É lógico que ficamos preocupados, o Raul já fazia bico de choro (lembrem-se de que tínhamos 15 anos); eu, desorientado, imaginando mil desgraças, convenci o Raul a voltar para o quartel sob o argumento de que o Bergamini já poderia estar lá e, nós, preocupados à toa.

Mas ele não estava. Tentamos dormir e não conseguimos. Nosso ônibus partia às 8 horas. Combinamos que se ele não chegasse até a saída do ônibus, iríamos à polícia prestar queixa do sumiço. O ônibus encostou. Pânico geral. Cadê o f.d.p. do Sabugo?

De repente, ele fez sua aparição. De 5º-A, perna da calça enrolada até o joelho, cigarro no canto da boca, alça da mochila em diagonal sobre o peito, e a cada dois passos parava para coçar a perna desnuda. Finalmente chegou até nós. Foi quando perdeu de vez a compostura, pousou a mala no chão, abriu a camisa do uniforme e danou-se a coçar. E se coçava... e quando mais se coçava, mais tinha vontade de se coçar.

E nós, ali, uniformizados, mortos de vergonha, ficamos sabendo que a tal mulher – um fodão, segundo suas palavras – transmitira-lhe uma ziquizira infernal, que ele só sentira depois de tomar banho no quartel e que, chegando ao Rio, iria a uma rezadeira, pois suspeitava que a coceira fosse da espécie “já começa”, só curável com reza braba.

67-162 Sanches