O PAI DA ESPARTANA

Em 10 de setembro de 2011, aconteceu, no Campo dos Afonsos, o evento denominado Reunião Nacional da Unifa 2011. Como de praxe, foi tudo muito bem organizado e houve comparecimento em massa dos precas com suas famílias. Nesse evento, o Raul/Besteirinha, 67.181, lembrou-se de um “causo” e me pediu para contá-lo. É o que passo a narrar.

Estávamos no 2º semestre de 1969, a namorada do Raul faria aniversário no fim de semana e ele, em vez de se acautelar nas datas que antecediam ao evento, fez alguma besteira (lembra... besteirinha?) e conseguiu pegar 4P, detonando seus planos de curtir a data ao lado da garota.

Mas quando se tem 17 anos não se nega pedido de amigo, por mais absurdo que seja, e, por isso, ao ser conclamado pelo Raul a ficar preso em seu lugar, não titubeei, vesti o uniforme de campanha (não me lembro o número) e parti para o pelotão dos injustiçados, enquanto ele arrumava a bagagem para embarcar, à noite, na Kombi do Neguinho, que era a mais rápida e conseguia fazer o percurso em “apenas” quatro horas e meia.

No sábado (ou no domingo?) pela manhã, depois de responder à chamada formando no mencionado pelotão, voltei para o H8. No apartamento, havia uma animada guerra de laranjas, com neguinho querendo rachar a cabeça do outro a poder de laranjada e um desses petardos veio em minha direção e eu tentei amortecer a pancada, mas não fui de todo feliz, pois a laranjada perdeu força, mas a laranja foi parar na marquise que existia nos fundos do H8, abaixo da qual passava uma estrada.

Justamente após pular a janela e enquanto me abaixava para pegar a laranja, na estrada parava um carro, o qual conduzia a Espartana (quem não se lembra dela, linda, rostinho de anjo, olhos azuis, mas de ombros largos, pernas de corredor, enfim, corpo de fisiculturista?) e seu pai, o CORONEL MARQUES FERNANDES, que à época era o chefe ou diretor de ensino da EPCAr.

O Coronel desceu do carro e gritou: “Qual é o seu número, aluno?”. O que responder? 67.162 ou 67.181? Ora, eu personificava o Raul, evidentemente teria de me passar por ele. Em fração de segundo raciocinei e respondi: “67.181 – Raul, Coronel”. “Me procura no Comando, na Revista do Recolher”, vociferou e entrou, parecendo puto da vida, no carro, que arrancou levantando poeira.

Minha tarde daquele dia foi um inferno, seria desligado, evidentemente, e levaria o Raul comigo. Quem fizera a maior besteira, ele ou eu? Quem merecia a alcunha de besteirinha, ele ou eu? Como justificar para meus pais essa cagada? Fora realmente uma cagada.

Finalmente, a hora chegou. Emproei para o Comando e me senti como Tiradentes caminhando para o cadafalso. O corredor comprido, de paredes antigas seria meu aliado, faria com que custasse a chegar a hora do encontro, mas chegou rápido. O homem estava sentado numa grande mesa colonial e tinha nas mãos minha ficha, ou melhor, a ficha do Raul.

Posição de sentido, continência caprichada, até hoje não sei como consegui, porque os joelhos batiam um no outro e os dedos teimavam em não permanecer juntos, principalmente o fdp do polegar, o qual, segundo nós sabemos, também é dedo. “67.181, Raul, X Esquadrilha, Y Esquadrão”, disse com voz a muito custo forçada garganta afora.

O Coronel olhava a ficha e me olhava. Acho que se perguntava como é que em pouco mais de dois anos eu (o Raul) crescera tanto, pois quando nos matriculamos, em 67, o Raul devia ter 1,55m e agora seguramente passava de 1,80m. E ele olhava para a ficha e olhava para mim, repetiu essa ação umas quatro vezes, no mínimo. Eu pensava: “é agora que vou mífu”. Mas parece que ele tinha convidados e estava com pressa, por isso havia passado de carro onde se deu o flagrante, mostrava a escola a estes. Acho que por isso optou por não se aprofundar na investigação do estranho poder dos hormônios, que esticou o Raul em mais de 25 cm em menos de três anos.

Como vingança pela impertinência, aplicou uma mijada em regra, mostrando que nossos pais esperavam tranquilidade com a entrega de seus filhos aos cuidados da FAB. E se eu (o Raul) caísse da marquise e quebrasse o pescoço, como é que a FAB explicaria isso? Não, não perdoaria essa falta, quando acabasse de cumprir os 4P, começaria a cumprir mais quatro, para que não me esquecesse da irresponsabilidade praticada.

Para finalizar, imaginem, nobres colegas, que depois desse enorme sufoco, o Raul ainda achou que quem deveria cumprir os 4P adicionais seria eu. Quem me mandou pular na marquise na hora em que o coronel passava? Ele havia me pedido para tirar a prisão dele, não para arranjar outra, e por aí afora. Mas acabou caindo na real e reconhecendo o perigo por que passamos e tirou os outros 4P sem reclamar. E somos amigos até hoje.

67 162 Sanches.