O MANICACA QUE VOOU XAVANTE

No dia 03 de julho de 1981, fui escalado para realizar uma viagem de instrução com o Sub Comandante do CATRE. A missão consistia em treinamento de IFR em Aerovia para computar procedimentos em aeródromos diferentes e atualização do cartão de voo por IFR.

Decolamos de Natal para Salvador (escala técnica e também para efetuar um procedimento IFR). Em seguida, prosseguimos para GL (Galeão).

Chegando ao Rio o Cel Pinheiro (carioca) ficou para tratar de assuntos administrativos e visitar seus familiares. Eu segui para São Paulo para visitar os meus familiares e proporcionar uma surpresa para o Castro.

Preparei o Xavante para seguir solo para São Paulo. Decolei já no início da noite e tinha informações das condições meteorológicas de SBSP. Sabia que havia uma frente fria na área, mas Congonhas e Cumbica operavam por Instrumentos e Campinas encontrava-se visual, com nuvens esparsas.

Decolei do GL, iniciei a subida para o nível FL250 (25.000ft) aproveitei para curtir as luzes da baia da Guanabara, Pão de Açúcar, Corcovado até tudo sumir na camada de nuvens. Nivelei a ANV e prossegui voando dentro da camada sem problemas. Ao atingir o través de Ubatuba (Conhecida dos pilotos da Ponte Aérea – moram dois CB´s que se despertam nas frentes frias). Mais uma vez, encontrei com eles. A chuva leve começou a ficar mais intensa e com pequena formação de escarcha. Passados alguns minutos aumentou a chuva e começou pintar o fogo de San Telmo, acompanhado de clarões de relâmpago.

Como estava próximo do ponto de inicio da descida, acionei a tecla do VHF para informar o APP SP, quando ouvi um estridente ruído de microfonia e não conseguia entender as mensagens do Controle e muito menos ser ouvido por ele. Quando consegui dar uma olhada para a asa do Xavante na primeira volta da Beacon (luz que identifica a ANV), observei a formação de gelo. Nestas condições a antena do VHF e outros equipamentos de comunicação se calam. Até aí tudo bem, a minha preocupação era o gelo se despregar e apagar o motor. Ao mesmo tempo, estava próximo de São Paulo, escolhendo a carta de descida quando devo ter penetrado no núcleo do CB. Só sei que levei uma cacetada que bati a cabeça no canopy e a prancheta que estava com as cartas de descida se espalharam no fundo da nacele. Simultaneamente, alguma coisa se soltou na nacele traseira que causou um barulho e deu uma pancada no manche. Nesse instante, ouvi o APP SP – Força Aérea 4607 Controle SP...? Respondi – Na escuta, prossiga. - Congonhas acaba de fechar IFR, confirme alternativa? Respondi - Cumbica... O APP demorou a responder, quando ouvi: - Está ciente do NOTAN nº tal (não me lembro)... “aeródromo em obras e luzes de balizamento da pista inoperante”. – Pensei... Agora engrenou! Respondi: - Como opera Campinas, indaguei? – o APP informou:- Visibilidade 1500, teto 3000ft, condições IFR..., mantendo o nível autorizado prosseguir para Campinas. Nesse momento estava no FL 200, procurei uma penetração para Campinas nas poucas cartas que restaram na prancheta. Encontrei uma que não era a proposta pelo APP, com dificuldade consegui iluminar com a lanterna auxiliar e encontrar os rumos. Iniciei a descida e ao atingir 12.000ft começaram a aparecer alguns buracos nas nuvens e pude ver o clarão da cidade Campinas. Ao iniciar o procedimento de baixa altitude, o APP informou que SP havia aberto para operações IFR. Era o que eu aguardava. Solicitei se poderia prosseguir para SP? Pra variar, o APP demorou a confirmar. Quando entrou rachando...: - Autorizado aproar Santana, mantendo 8000ft, perfil do procedimento Hotel 1, RWY 16D, reportar no bloqueio etc...etc...etc. Resumindo... não tinha nada disso comigo. Bloquei Santana, recebi o sinal do ILS e como já havia feito esse procedimentos outras vezes, consegui colocar a garça no solo paulista. Após o pouso, o CTRL do Solo não queria autorizar o estacionamento na área destinada as autoridades. Quando informei que iria pernoitar e aguardar o embarque de um Oficial General da Força Aérea no dia seguinte. A resposta do Controlador foi suavizada por um: - Ciente... Bons tempos aqueles, afinal o 67-187 era o meu general...



Parte II...

Havia prometido ao Castro que um dia faríamos um voo de Xavante comigo e este dia chegou ...

Combinamos de nos encontrar na Estação das Autoridades de Congonhas... Na hora marcada procurei pelo Castro na Sala de Embargue e nada. Como o local era proibido para o acesso de civis desacompanhados ou desconhecidos, fui ao encontro do Companheiro.

Procurei por todo os locais do saguão e nada do careta... Naquele tempo não era normal, ou melhor, proibido transitar de macacão de voo. O local era reservado para embargues de autoridades. Os pilotos eram do GTE todos de 7º Uniforme engomadinhos, perfumados e cheirosos... Passei por alguns... Devem ter pensado “o que esse aviador mal cheiroso ou fedendo a suor está procurando por aqui ???”

Resultado, acabei saindo para a área externa, fui até a Av. Washington Luis tentar encontra-lo (imaginem o GP). Não deu outra. Acabei vendo-o do outro lado da Avenida perdidão...

Ao nos dirigir para Estação das Autoridades avistei o Alonso de 66 ainda na avenida e com destino ao aeroporto. Pensei, se esse camarada encontrar comigo vai perguntar o que estou fazendo aqui, como explicar o que Castro estaria fazendo dentro de um aeronave militar. Ainda bem que ele seguiu outro rumo e não nos viu... Ufa!

Passado o susto, seguimos para o acesso ao estacionamento da aeronave só que quando saí de Natal passei na Seção de Equipamento de Voo e apanhei um macacão sobressalente para o meu Querido Manicaca não destoar do conjunto do tripulante. O Castro vestiu o macacão de voo, ajustei a roupa anti “G”, conferi as amarrações, cintos e suspensórios ajustados, o “crash helmet” do Cel. Pinheiro (que havia se soltado na nacele trazeira, durante a turbulência se encaixou naquela cabeçorra, orientação para uma eventual ejeção (imaginem se isto acontecesse..., e outras recomendações de segurança).

Plano de voo entregue, canopy fechado, cheques de equipamentos realizados, partida autorizada. Primeiro sufoco: O Xavante normalmente precisa de uma fonte externa de partida. É permitida a partida com a bateria interna, mas é preciso que esteja nova e plena carga. Como tinha voado noturno por um bom tempo na noite anterior, estava com receio de que poderia dar chabu. Dedo no “starter”, rotação subindo, combustível aberto, temperatura elevando... motor acesso, beleza...

Iniciamos o taxi no meio de várias aeronaves de grande porte, recebendo acenos dos comandantes e vamos nós...

Decolagem rasante sobre o bairro do Jabaguara, iniciamos a subida para um sobrevoo da Represa de Igaratá. Subimos até 24000ft para ele sentir a ANV. Iniciei uma série de manobras acrobáticas. Deixe-o pilotar até conseguir estolar, fizemos parafuso, o cacete de botas, quando pediu para dar um refresco que estava com princípio de enjoo. Baixamos e alguns rasantes sobre a represa, regressamos para Congonhas.

Ficou maravilhado com a oportunidade de voar uma aeronave à reação. Tiramos algumas fotos e nos despedimos. Foi um momento mágico proporcionar ao Querido Manicaca a realização daquele sonho nascido nos primeiros anos de BQ...

Com todos os riscos, Missão Cumprida!

67-188 – PTK