A DEUSA DO KM 60

Desta vez não me lembro de todos os personagens do “causo”, mas certamente eles se lembrarão e me perdoarão pelo lapso, afinal, lá se vão 40 anos.

O fato se passou no ano 68 ou 69 do século XX. Na época, dava expediente no estabelecimento de mulheres perdidas, denominado Km 60, uma deusa que atendia pelo nome de Margarida. À época, eu julgava não existir nenhuma outra que fosse tão linda quanto ela. Para se ter idéia, para mim, ela barrava a Terezinha (de francês) e aquela gostosona de geografia, de cujo nome não me lembro. Juntas.

Sonhava com ela e diariamente a enaltecia, valendo-me da mais sublime homenagem que se pode prestar a uma mulher quando se tem 16 anos. Um dia tomei coragem e propus-lhe fazermos um programa. Lembro-me bem que a cifra que ela mencionou era tão obscena que fico com a impressão de que mesmo hoje eu não poderia pagar por seus favores. Mas descobri que havia outros que nutriam a mesma paixão pela bandida, e um deles – desse eu me lembro – era o Nélio (67-165), o outro talvez fosse o Perdigão (67-160) ou o Oliveira Lima (67-183) ou o Rabiola (67-120), não sei, eles se lembrarão.

Resolvemos sair os três, num sábado pela manhã, dispostos a fazer-lhe uma proposta, porque intuíamos que fora do horário de pico seria mais barato em virtude do aproveitamento produtivo do tempo ocioso. Nosso plano era demonstrar que embora a margem de contribuição individual fosse pequena, ela ganharia na escala, em razão da quantidade atendida x tempo despendido x custo de oportunidade. Sabíamos que para ela, mesmo considerando a produtividade, o montante devia ser uma merreca, mas nos encorajava a sensação de sacrifício e entrega, circunstância que, em nossas cabeças, seria capaz de sensibilizá-la, sobretudo porque, no meu caso, o empreendimento representava um mês de privações, abstinência de tabaco e ausência nas horas dançantes do Barbacenense e Olimpique.

Chegando ao prostíbulo, fomos diretamente ao quarto da deusa, que fazia faxina na alcova. O mais descolado era o Nélio, por isso foi incumbido de fazer a proposta. Para nossa surpresa, ela aceitou prontamente, mas impôs uma série de condições: era proibido apertar-lhe os seios, introduzir o dedo na vulva, beijar em qualquer parte do corpo, apoiar o peso sobre dela, e demorar mais do que cinco minutos cada um.

Em nossa insegurança, achamos justas as exigências e realizamos uma competição, na base da porrinha, para estabelecer a seqüência de entrada no jardim das delícias. Acabei perdendo e fiquei por último.

O primeiro a desfrutar saiu do quarto maravilhado: “Cara, que mulher! Valeu cada centavo.Vou juntar dinheiro e venho de novo outro dia”; o segundo exibia expressão de enlevo e alardeou ao sair: “ Essa gata roubou meu coração. Acho que ela também se apaixonou por mim. Ela não queria que eu terminasse e me fez prometer voltar outro dia.”

É lógico que fiquei atônito diante de tais declarações. Seria possível que a mulher além de linda fosse também um vulcão na cama? Não era o que sugeriam suas recomendações preliminares. Mas, enfim, chegara a minha vez e eu não continha o desejo de desfrutar aquelas carnes.

A essa altura, é conveniente lembrar que naquele tempo ninguém sequer cogitava o uso de camisinha. E nós não fugimos à regra, todos fornicamos em pêlo.

Entrando no quarto, Margarida já estava deitada e nua, ou melhor, a divindade estava reclinada na cama, apoiada sobre um dos cotovelos, olhando para mim. Parei extasiado diante de tanta beleza: pele clara, mas rosada, seios túrgidos, coxas roliças, púbis com pentelhos de mais de 5 cm (na época isso era o máximo) e o rosto...o rosto, bem... o rosto lembrava o da Virna Lise; e ela disse: “Vamos, garoto, tira logo a roupa. Não temos o dia todo.” Tirei; e ela: “Vem cá, me deixa ver esse birro.” Passando das palavras à ação, pegou no meu pênis, que já estava em posição de ataque - quase tive um troço, achando que ela fosse abocanhá-lo - mas não: examinou detidamente a glande e as peles abaixo desta, passou o indicador no orifício da uretra e colheu na ponta do dedo uma amostra daquele líquido viscoso que o organismo secreta para proteger os espermatozóides da acidez do canal uretral. Esfregou o indicador no polegar e cheirou. Satisfeita com o resultado do teste, disse: “Lembra do que não pode fazer?” Sacudi a cabeça; e ela: “Então pode começar”.

Ao introduzir, olhei para a cara dela. Por Deus, não me lembro de nunca antes ter visto tamanha expressão de enfado. Ela parecia estar tomada por um tédio tão profundo, que tive medo de demorar mais do que os cinco minutos pactuados e levar um esporro. Na verdade, acho que não gastei nem trinta segundos do tempo a que tinha direito, pois ao introduzir já estava quase ejaculando, acho que em virtude do sentimento de estar copulando com uma criatura divina.

Ela demorou a perceber que eu havia gozado, pois olhava atentamente para o teto, talvez, como na piada, avaliasse a conveniência de pintá-lo. Quando se deu conta, ordenou que eu pagasse o combinado e me vestisse rápido, pois precisava terminar a limpeza do quarto, já que seu paizinho viria visitá-la à tarde.

Ao sair, encontrei os outros dois, que aguardavam, ansiosos, meu relato sobre a trepada. Não podia dar mole, é certo. Como lhes dizer que tinha fodido com uma morta, depois do que ouvira deles? É lógico que também paguei meu misteriozinho e disse que voltaria, mas com a diferença de que treparia de graça, pois ela gozara duas vezes seguidas comigo e me dissera nunca ter estado com um amante como eu, e fazia questão de não cobrar nada caso eu voltasse a procurá-la. Todavia, embora tenha imprimido convicção às palavras, pela troca de olhares dos dois, suspeito que meu relato não obteve a credibilidade almejada.

Finalizo o “causo” com uma reflexão feita na maturidade, que me levou a concluir que a Margarida talvez não fosse tudo isso. Talvez minha tenra idade possa ser responsabilizada pelo avivamento dos traços e da gostosura dela.

E a conseqüência nefasta da aventura foi que, passado o tempo de encubação, Nélio e o outro contraíram uma gonorréia “tunada”, com ABS e controle de tração, daquelas de gonococos resistentes a muitos antibióticos. Por meu turno, não peguei nem corrimento.

O passar dos anos me levou a desconfiar de que eles tenham dito a verdade, ou seja, só comigo a mulher se comportou como um cadáver e com eles foi realmente a máquina de sexo alardeada. Por conta disso, formulei uma teoria: a natureza me livrou da doença venérea para me compensar do complexo de inferioridade que me perseguiu por muito tempo por não ter despertado na deusa nem um pouquinho de tesão.

67-162 Sanches